Ações trabalhistas por Burnout crescem 14,5% em 2025

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A síndrome de burnout, ou esgotamento profissional, deixou de ser apenas um tema de discussão em palestras corporativas para se tornar uma das principais causas de litígio trabalhista no Brasil. Dados divulgados pela Folha de S.Paulo em maio de 2025 apontam um crescimento de 14,5% nas ações trabalhistas relacionadas a burnout e transtornos mentais em comparação ao ano anterior, consolidando uma tendência preocupante para empresas de todos os portes e setores.

O aumento não é coincidência. Ele ocorre em um contexto de maior conscientização sobre saúde mental no trabalho, impulsionado pelo reconhecimento do burnout como doença ocupacional pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em 2022 e pela inclusão da síndrome entre as doenças ocupacionais na lista do Ministério do Trabalho. Mais do que números, esses processos representam um alerta para gestores de RH, departamentos jurídicos e empresários: negligenciar a saúde mental dos colaboradores não é mais apenas uma questão ética, é um passivo financeiro e jurídico concreto.

O que está por trás do crescimento

A explosão de ações judiciais por burnout tem raízes profundas nas transformações do mundo do trabalho. A pressão por resultados cada vez mais agressivos, a cultura do “always on” alimentada pela tecnologia, jornadas que se estendem para além do expediente formal e a precarização das relações trabalhistas criaram um ambiente propício ao adoecimento mental.

Trabalhadores que antes suportavam silenciosamente a exaustão emocional agora encontram respaldo legal e jurídico para responsabilizar empregadores. O reconhecimento formal do burnout como doença ocupacional mudou o jogo: o que antes era tratado como “fraqueza individual” ou “falta de resiliência” passou a ser compreendido como consequência direta de ambientes de trabalho tóxicos e condições laborais inadequadas.

Advogados trabalhistas relatam que os pedidos mais comuns nessas ações incluem indenização por danos morais, pensão vitalícia em casos de incapacidade permanente, estabilidade provisória, custos com tratamento psicológico e psiquiátrico, além de lucros cessantes. Os valores das condenações têm variado bastante, dependendo da gravidade do quadro e da capacidade econômica da empresa.

Os argumentos que prosperam na Justiça

A jurisprudência trabalhista brasileira vem consolidando entendimentos favoráveis aos trabalhadores que demonstram nexo causal entre o adoecimento mental e as condições de trabalho. Os tribunais têm sido sensíveis a casos que envolvem:

Metas inalcançáveis e pressão excessiva: Empresas que estabelecem objetivos desproporcionais à capacidade real de execução, gerando clima de tensão permanente e medo de demissão.

Jornadas extenuantes: Trabalho que sistematicamente ultrapassa os limites legais, com supressão de intervalos, ausência de folgas adequadas e cultura de disponibilidade 24/7.

Falta de suporte organizacional: Ambientes onde trabalhadores são deixados à própria sorte, sem treinamento adequado, recursos necessários ou apoio de lideranças.

Assédio moral disfarçado: Práticas abusivas mascaradas como “cultura de alta performance”, “meritocracia” ou “senso de urgência”, que na verdade configuram violência psicológica sistemática.

Ausência de medidas preventivas: Empresas que ignoram sinais de sofrimento mental, não oferecem programas de apoio psicológico e tratam saúde mental como tabu ou fraqueza.

O ponto crucial para a procedência dessas ações é a demonstração do nexo de causalidade entre o trabalho e o adoecimento. Laudos médicos, testemunhas, registros de jornada excessiva, e-mails e mensagens que demonstrem pressão abusiva, além de afastamentos previdenciários por transtornos mentais são peças fundamentais nessas disputas judiciais.

O impacto da NR-1 atualizada

A partir de 2026, com a entrada em vigor da atualização da NR 01, o cenário se torna ainda mais desafiador para empresas despreparadas. A nova NR-1 exige que todas as organizações avaliem e gerenciem riscos psicossociais no ambiente de trabalho, incorporando-os ao Programa de Gerenciamento de Riscos (PGR).

Na prática, isso significa que empresas que não identificarem, documentarem e implementarem medidas preventivas contra fatores como estresse, assédio, sobrecarga e burnout estarão em flagrante descumprimento legal. E aqui está o ponto crítico: *o descumprimento da NR-1 pode e será usado como fundamento em ações trabalhistas*.

Advogados já antecipam que a ausência de avaliação de riscos psicossociais se tornará argumento padrão em petições iniciais, fortalecendo a tese de negligência patronal. A omissão em cumprir a norma pode ser interpretada pelos juízes como prova da falta de cuidado da empresa com a saúde de seus empregados, aumentando significativamente as chances de condenação e os valores das indenizações.

Setores mais vulneráveis

Embora o burnout possa afetar qualquer categoria profissional, alguns setores apresentam maior incidência de casos e, consequentemente, maior exposição a ações judiciais:

Teleatendimento e call centers: Ambiente com metas agressivas, monitoramento constante, scripts rígidos e alta pressão por produtividade.

Setor bancário: Cultura de metas, competição interna acirrada e responsabilização excessiva por resultados.

Saúde: Jornadas extenuantes, exposição a situações emocionalmente desgastantes, falta de recursos e sobrecarga crônica.

Tecnologia e startups: Cultura do “hustle”, jornadas sem limites claros, pressão por inovação constante e instabilidade.

Varejo: Metas de vendas, extensão de jornada em períodos sazonais, baixa valorização e alta rotatividade.

Educação: Sobrecarga de atividades, pressão por resultados, desvalorização profissional e violência psicológica de múltiplos atores.

Esses setores devem redobrar a atenção, pois serão priorizados na fiscalização do Ministério do Trabalho e já concentram o maior volume de ações judiciais relacionadas a transtornos mentais.

O custo real do burnout para as empresas

Além das condenações judiciais diretas, o burnout gera uma cascata de custos indiretos que comprometem a sustentabilidade dos negócios: Absenteísmo; Presenteísmo; Rotatividade; Danos à reputação; Clima organizacional deteriorado;

Segundo estudo da OMS, problemas de saúde mental custam à economia global cerca de US$ 1 trilhão por ano em perda de produtividade. No Brasil, os números específicos ainda são subestimados, mas especialistas estimam impacto de bilhões de reais anuais.

Como empresas podem se proteger

Diante desse cenário, a prevenção deixou de ser opcional. Empresas que desejam mitigar riscos jurídicos e financeiros precisam adotar uma abordagem proativa e estruturada:

1. Implementar avaliação de riscos psicossociais

Realizar diagnóstico formal do ambiente de trabalho, identificando fatores de risco como sobrecarga, assédio, falta de autonomia e pressão excessiva. Documentar todo o processo e as medidas adotadas.

2. Revisar políticas de metas e jornada

Estabelecer objetivos realistas, considerar capacidade real das equipes e garantir respeito aos limites de jornada e intervalos. Eliminar cultura de disponibilidade permanente.

3. Capacitar lideranças

Treinar gestores para identificar sinais de sofrimento mental, praticar liderança empática e criar ambientes psicologicamente seguros.

4. Oferecer suporte psicológico

Disponibilizar atendimento profissional, seja por equipe interna, parcerias com clínicas ou programas de assistência ao empregado (EAP).

5. Criar canais de denúncia seguros

Estabelecer meios confidenciais para que colaboradores reportem situações de assédio, sobrecarga ou outras violências psicológicas sem medo de retaliação.

6. Monitorar indicadores

Acompanhar dados de afastamentos, turnover, absenteísmo e pesquisas de clima para identificar tendências preocupantes precocemente.

7. Documentar tudo

Manter registros detalhados de todas as ações preventivas, treinamentos, atendimentos e medidas corretivas adotadas. Essa documentação será crucial em eventual defesa judicial.

8. Buscar assessoria especializada

Contar com apoio jurídico e de profissionais de saúde ocupacional para garantir conformidade legal e implementação de melhores práticas.

O papel do compliance trabalhista

A gestão de riscos psicossociais deve ser integrada à estratégia de compliance trabalhista das organizações. Não se trata de mero cumprimento burocrático de normas, mas de construir uma cultura organizacional genuinamente comprometida com o bem-estar dos colaboradores.

Departamentos jurídicos e de recursos humanos precisam trabalhar de forma integrada, antecipando riscos, monitorando jurisprudência, revisando práticas internas e preparando defesas robustas para eventuais litígios. A era do “depois a gente vê” acabou, o custo da omissão tornou-se alto demais.

Perspectivas para o futuro próximo

A tendência de crescimento das ações por burnout deve se manter nos próximos anos, especialmente com:

– Maior conscientização social sobre saúde mental
– Fiscalização mais rigorosa do Ministério do Trabalho a partir de 2026
– Consolidação da jurisprudência favorável aos trabalhadores
– Aumento da pressão social por ambientes de trabalho saudáveis
– Possível endurecimento legislativo com criação de novas proteções

Empresas que enxergarem esse movimento como oportunidade para repensar modelos de gestão, valorizar pessoas e construir ambientes verdadeiramente saudáveis sairão na frente. Aquelas que insistirem em modelos ultrapassados de exploração e negligência pagarão caro, literalmente.

Para advogados, o momento exige atualização constante sobre jurisprudência, estratégias processuais e mecanismos de prova. Para gestores de RH e DP, demanda ação imediata na implementação de políticas preventivas e conformidade com a NR-1. Para empresários, impõe reflexão profunda sobre modelos de negócio sustentáveis que equilibrem resultados financeiros com responsabilidade social.

O burnout já é assunto de tribunal. E os tribunais estão decidindo a favor de quem adoeceu (e comprovou).

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