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Representantes da Justiça do Trabalho, do Ministério Público do Trabalho e de auditores-fiscais manifestaram posição contrária aos julgamentos do Supremo Tribunal Federal (STF) relacionados a causas trabalhistas. A manifestação ocorreu durante audiência pública promovida pela Comissão de Constituição e Justiça e pela Comissão de Trabalho da Câmara dos Deputados sobre o papel da Justiça nas novas relações trabalhistas.
Nos próximos dias, o Supremo Tribunal Federal deve analisar os fenômenos da “pejotização” e da “uberização”, decisões que podem impactar milhões de trabalhadores brasileiros.
Pejotização elimina proteção do trabalhador
Para o presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST), Luiz Philippe de Mello Filho, a pejotização elimina a proteção do trabalhador porque, sendo formalmente uma empresa, ele não tem os direitos previstos na Constituição Federal. Dessa forma, pode ficar desamparado na velhice, na doença ou em caso de acidente.
Competência da Justiça do Trabalho
O presidente do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (TRT-2), Valdir Florindo, explicou que o juiz trabalhista analisa se existe fraude trabalhista com base em fatos e provas apresentados no processo. Para ele, decisões do STF sobre temas infraconstitucionais (que não envolvem diretamente interpretação da Constituição) representam interferência indevida na competência de outros tribunais.
A manifestação do presidente do TRT-2 reflete a preocupação da Justiça do Trabalho com a possibilidade de o STF limitar sua atuação na identificação e combate às fraudes trabalhistas, especialmente nos casos de falsa pejotização.
Contratos de adesão e falta de liberdade
Segundo Rodrigo Castilho, do Ministério Público do Trabalho (MPT), o microempreendedor individual (MEI) e o trabalhador de plataforma são, na essência, empregados. O que muda é apenas a forma de contratação utilizada pelas empresas.
Ele destacou que os contratos firmados são *contratos de adesão*, nos quais o trabalhador não tem liberdade real para discutir os termos. As condições são impostas unilateralmente pelas plataformas e empresas. Portanto, essas relações precisam ser reguladas pelo Estado para garantir proteção aos trabalhadores.
Os contratos de adesão são aqueles em que uma das partes (no caso, a empresa ou plataforma) estabelece previamente todas as cláusulas, e a outra parte (o trabalhador) apenas aceita ou recusa, sem possibilidade de negociação. Essa característica evidencia a desigualdade na relação e a necessidade de proteção legal.
Perdas previdenciárias
O deputado Alencar Santana (PT-SP) destacou a questão das perdas do governo com contribuições previdenciárias reduzidas decorrentes da pejotização e da uberização. A fala de Santana aponta para uma contradição fundamental: enquanto o discurso liberal defende a retirada do Estado da regulação das relações de trabalho, é justamente o Estado que terá que arcar com os custos sociais quando esses trabalhadores ficarem doentes, sofrerem acidentes ou chegarem à velhice sem proteção previdenciária adequada.
Impacto fiscal
Quando um trabalhador atua como pessoa jurídica (PJ) em vez de ter carteira assinada, as contribuições previdenciárias são significativamente menores:
– Trabalhador CLT: A empresa recolhe 20% sobre a folha de pagamento para o INSS, e o trabalhador contribui com alíquotas que variam de 7,5% a 14%, dependendo do salário
– MEI: Contribui com valor fixo mensal (atualmente cerca de R$ 70), independentemente do quanto efetivamente recebe
Essa diferença representa uma perda bilionária para os cofres da Previdência Social, que, no futuro, terá que pagar benefícios (mesmo que menores) para esses trabalhadores.
Ataque à Justiça do Trabalho
Representantes de trabalhadores destacaram que existe um movimento de ataque à Justiça do Trabalho que vem desde a reforma trabalhista de 2017, quando foram elevados os custos para que os trabalhadores buscassem a Justiça.
Inteligência Artificial: nova fronteira
Participantes da audiência lembraram que a Inteligência Artificial é outra fronteira que precisa de regulação urgente para que não cause mais danos às relações de trabalho.
O que está em jogo no STF
O Supremo Tribunal Federal deve julgar casos que podem definir o futuro das relações de trabalho no Brasil:
Pejotização
Quando a contratação de pessoa jurídica (PJ) é legítima e quando é fraude trabalhista?
A Justiça do Trabalho tradicionalmente analisa cada caso concreto, verificando se há subordinação, habitualidade, pessoalidade e onerosidade (elementos da relação de emprego). Se presentes, reconhece o vínculo empregatício, mesmo que formalmente o trabalhador seja PJ.
O risco é que o STF estabeleça uma tese que limite essa análise caso a caso, dificultando o reconhecimento de fraudes.
Uberização
O debate gira em torno do reconhecimento de vínculo de emprego entre motoristas, entregadores e outras categorias de trabalhadores de aplicativo com as plataformas digitais.
As empresas argumentam que são apenas intermediárias tecnológicas, e os trabalhadores são parceiros autônomos. Já os trabalhadores e o Ministério Público do Trabalho sustentam que há subordinação, controle e dependência econômica que caracterizam relação de emprego.
Consequências para os trabalhadores
As decisões do Supremo Tribunal Federal sobre pejotização e uberização terão impactos profundos na vida de milhões de trabalhadores brasileiros. Se prevalecer a tese defendida pelas empresas, os trabalhadores continuarão sem direitos trabalhistas básicos como férias, 13º salário e FGTS. Também não haverá proteção previdenciária adequada, os acidentes de trabalho não serão reconhecidos como tal, haverá impossibilidade de negociação coletiva efetiva e consequente aumento da precarização e da desigualdade social.
Por outro lado, se prevalecer a tese defendida pelos trabalhadores e pelo Ministério Público do Trabalho, haverá o reconhecimento de direitos trabalhistas constitucionais, garantindo proteção previdenciária adequada e segurança em caso de doença, acidente ou velhice. Além disso, será possível a organização sindical e a negociação coletiva, resultando também em maior arrecadação para a Previdência Social, o que beneficia toda a sociedade ao fortalecer o sistema de proteção social brasileiro.
Contexto internacional
O debate brasileiro não é isolado. Diversos países enfrentam questões semelhantes:
No Reino Unido a Suprema Corte reconheceu que motoristas da Uber são trabalhadores (workers), não autônomos, garantindo-lhes direitos como salário mínimo e férias. Na Califórnia (EUA), foi aprovada a lei (AB5) dificultando a classificação de trabalhadores como contratantes independentes. Posteriormente, empresas de aplicativo conseguiram aprovar referendo (Proposição 22) criando categoria intermediária, decisão que ainda é contestada.
A Espanha aprovou lei (“Lei Rider”) em 2021 estabelecendo presunção de vínculo empregatício para entregadores de aplicativo. Os tribunais franceses vêm reconhecendo, caso a caso, vínculos de emprego entre plataformas e trabalhadores.
A audiência pública evidenciou a preocupação de juristas, procuradores do trabalho, auditores-fiscais e representantes de trabalhadores com os rumos que o Supremo Tribunal Federal pode dar às questões da pejotização e da uberização.
Para os defensores dos direitos trabalhistas, está em jogo a própria existência da proteção social construída ao longo de décadas, desde a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) de 1943 e reforçada pela Constituição Federal de 1988.
O temor é que decisões do STF, sob argumentos de livre iniciativa e autonomia da vontade, ignorem a realidade de subordinação, dependência econômica e desigualdade de poder nas relações entre trabalhadores e plataformas ou empresas.
Como destacou o presidente do TST, a questão não é apenas jurídica, mas humanitária: trata-se de proteger a vida, a saúde e a dignidade de milhões de trabalhadores brasileiros.
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Jornalista; Assessor de Comunicação; Atuando também na produção de conteúdos sobre o mundo trabalhista e a justiça do trabalho no Brasil para o portal Direito do Empregado.
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