Dispensa por convicções políticas pode gerar indenização

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Demitir ou perseguir um trabalhador por suas convicções políticas não é apenas uma conduta antiética, é uma forma de discriminação vedada pela legislação brasileira e pode gerar consequências jurídicas severas para empresas. Embora não exista lei específica sobre o tema, a prática é expressamente proibida pela Constituição Federal e pela Convenção nº 111 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), ratificada pelo Brasil.

A Carta Magna garante a liberdade de expressão como direito fundamental, especialmente fora do ambiente de trabalho. Na Justiça do Trabalho, demissões ou perseguições motivadas por posicionamento político são interpretadas como violação aos princípios de respeito, igualdade e dignidade nas relações laborais — e podem resultar em reversão da dispensa e condenações por danos morais.

Consequências jurídicas para o empregador

Empresas que discriminam trabalhadores por motivos políticos podem enfrentar condenações significativas. Entre as penalidades previstas na legislação estão:

  • Reintegração ao emprego:  O trabalhador discriminado pode ser reintegrado ao posto de trabalho, restabelecendo o vínculo empregatício.
  • Indenização por dano moral: Valores variáveis conforme a gravidade da conduta, extensão do dano e capacidade econômica das partes.
  • Multa equivalente ao dobro da remuneração: Referente ao período de afastamento forçado, acrescida de juros e correção monetária.
  • Pagamento de salários do período: Desde a dispensa irregular até a efetiva reintegração ou até que seja proferida sentença definitiva.

As penalidades visam coibir a violação de direitos fundamentais e garantir que divergências ideológicas não sejam usadas como critério de exclusão profissional.

O limite entre opinião e conduta

Para Gerfran Carneiro Moreira, juiz do Tribunal Regional do Trabalho da 11ª Região (AM/RR), é fundamental diferenciar opinião de conduta inadequada. “A simples manifestação de uma opinião política, feita de forma pacífica e fora do ambiente de trabalho, não pode ser confundida com ato faltoso. O empregador não tem o direito de punir o empregado por pensar diferente”, enfatiza o magistrado.

Segundo ele, expressar preferência por um candidato ou comentar decisões judiciais, desde que feito de forma respeitosa e sem ofensas, não deve jamais ser motivo para punição. “Essas manifestações não justificam a demissão. Claro que existem excessos, e esses excessos precisam ser analisados caso a caso.”

Como se manifesta a discriminação política

A discriminação por convicções políticas no ambiente de trabalho pode assumir diversas formas, criando um clima hostil e prejudicial à saúde emocional do trabalhador. Entre as práticas mais comuns estão:

– Críticas excessivas e sem justificativa técnica

– Exclusão deliberada de atividades, reuniões e discussões profissionais

– Comentários desrespeitosos sobre personalidade ou vida pessoal

– Provocações constantes relacionadas a posicionamento político

– Afastamento de oportunidades de crescimento e desenvolvimento

– Críticas públicas enquanto outros membros da equipe recebem elogios

– Tratamento diferenciado e isolamento social no ambiente corporativo

Todas essas condutas podem configurar assédio moral por orientação política e justificar ações na Justiça do Trabalho.

Quando a manifestação política justifica punição

Embora protegida constitucionalmente, a liberdade de expressão possui limites e ultrapassá-los pode justificar até demissão por justa causa. O magistrado Gerfran esclarece que o simples posicionamento político não configura falta grave, mas há condutas que extrapolam o direito à opinião.

“Manifestações racistas, homofóbicas ou que incitem violência podem ser interpretadas como ofensivas e prejudicar o ambiente de trabalho”, explica. Nessas situações, conteúdos publicados inclusive em redes sociais podem repercutir no vínculo empregatício e justificar medidas disciplinares.

Situações que podem justificar punição:

– Manifestações políticas feitas dentro da empresa, durante o expediente

– Uso de canais profissionais (e-mail corporativo, grupos de trabalho) para propaganda política

– Discurso de ódio, manifestações racistas, homofóbicas ou que incitem violência

– Comentários ofensivos sobre a empresa ou empregador em redes sociais

– Condutas que prejudiquem a imagem da organização

– Violação de código de ética ou regulamento interno da empresa

As medidas disciplinares devem ser proporcionais e progressivas (advertência, suspensão, demissão), exceto em casos de extrema gravidade.

Assédio eleitoral: outra face do problema

Além da discriminação por orientação política, existe o assédio eleitoral, prática igualmente ilegal que pode ocorrer antes, durante ou depois das eleições. A Resolução n.º 355/2023 do Conselho Superior da Justiça do Trabalho (CSJT) define assédio eleitoral como coação, intimidação, ameaça, humilhação ou constrangimento do trabalhador com o objetivo de influenciar ou manipular seu voto, apoio ou manifestação política.

Diferenças importantes:

Assédio eleitoral: Pressão para votar em determinado candidato ou partido; participar de atos de campanha; influenciar escolha eleitoral.

Assédio moral por orientação política: Maltrato, exclusão ou pressão por causa da opinião política do trabalhador, mesmo fora do período eleitoral; punição por pensar diferente.

Condutas que configuram assédio eleitoral

De acordo com a cartilha “Assédio Eleitoral no Trabalho” do Ministério Público do Trabalho (MPT), diversas condutas caracterizam essa prática:

– Ameaças de demissão ou promessas de benefícios em troca de apoio político

– Exigência de participação em eventos de campanha eleitoral

– Uso de canais corporativos para divulgar propaganda eleitoral

– Imposição de vestuário com símbolos partidários

– Distribuição de materiais políticos no ambiente de trabalho

– Monitoramento de intenções de voto dos empregados

– Decisões de contratação, promoção ou demissão baseadas em posicionamento político

– Pressão por meio de redes sociais ou grupos virtuais ligados ao trabalho

O assédio eleitoral pode atingir qualquer pessoa em situação de trabalho: empregados, estagiários, aprendizes, trabalhadores informais, terceirizados. Pode ser praticado por empregadores, superiores hierárquicos, colegas de trabalho, clientes ou tomadores de serviço.

O ambiente de trabalho e a política

A cartilha do MPT reforça que o ambiente de trabalho deve permanecer livre de propaganda eleitoral institucional. Embora trabalhadores possam manifestar suas preferências políticas de forma pessoal e espontânea, é expressamente proibido ao empregador:

– Impor qualquer tipo de participação política

– Utilizar bens e serviços da empresa para fins eleitorais

– Condicionar benefícios trabalhistas a apoio político

– Criar ambiente de pressão relacionado a escolhas eleitorais

O descumprimento dessas normas pode gerar responsabilização trabalhista, civil, administrativa e até penal para o empregador.

O que fazer em caso de discriminação política

1. Tentativa de resolução interna

Buscar diálogo com o gestor direto para expressar preocupações e entender as políticas da empresa. Registrar formalmente a situação junto ao setor de recursos humanos.

2. Reunir provas

Mensagens de texto, e-mails, áudios, vídeos, capturas de tela de redes sociais, testemunhos de colegas. Quanto mais documentação, mais forte será o caso.

3. Recorrer à Justiça do Trabalho

Se não houver solução interna, é possível ajuizar ação trabalhista. O assédio eleitoral e a discriminação política garantem direito à reparação por danos morais, com base no artigo 5º da Constituição Federal, artigos 186, 187 e 927 do Código Civil, e artigos 223-B e 223-E da CLT.

4. Rescisão indireta

O assédio pode configurar falta grave do empregador, permitindo ao trabalhador pedir a rescisão indireta do contrato de trabalho (equivalente a uma “justa causa do empregador”), conforme previsto no artigo 483, alíneas a, b e e, da CLT. Nesse caso, o trabalhador recebe todas as verbas rescisórias como se tivesse sido demitido sem justa causa.

5. Buscar orientação jurídica

Consultar advogado trabalhista especializado é fundamental para avaliar o caso, orientar sobre estratégias e garantir que os direitos sejam preservados.

A legislação brasileira é clara ao proteger trabalhadores contra discriminação por convicções políticas. Empresas que insistem em perseguir, constranger ou demitir empregados por suas opiniões políticas assumem riscos jurídicos significativos e podem enfrentar condenações expressivas.

Para advogados trabalhistas, casos de discriminação política representam campo fértil de atuação, com forte amparo constitucional e jurisprudencial. Para gestores de RH e empresários, o recado é direto: o ambiente de trabalho não é lugar para imposição de ideologias ou perseguição de quem pensa diferente.

A diversidade de pensamento, inclusive político, deve ser respeitada, e a lei está do lado de quem é discriminado por exercer seu direito constitucional de ter e expressar opiniões.

Fonte: Tribunal Regional do Trabalho da 11ª Região (AM/RR) e Ministério Público do Trabalho

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