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Depois de mais de três décadas de espera, a licença-paternidade no Brasil pode finalmente deixar de ser um direito simbólico e insuficiente para se tornar uma política real de apoio às famílias. A Comissão de Assuntos Sociais do Senado Federal aprovou nesta quarta-feira (3) o Projeto de Lei 5.811/2025, que amplia de forma gradual o período de afastamento remunerado para pais segurados da Previdência Social, com garantia de salário integral, estabilidade no emprego e regras específicas para adoção e famílias vulneráveis.
O texto, de autoria da ex-senadora Patrícia Saboya, já havia sido aprovado na Câmara dos Deputados com alterações e agora volta ao Senado, onde seguirá para votação no plenário em regime de urgência. A proposta representa uma mudança histórica em um direito previsto na Constituição desde 1988, mas que permaneceu travado por décadas no prazo transitório de apenas cinco dias úteis.
De cinco para vinte dias: a ampliação gradual
O projeto estabelece um cronograma de implementação progressiva da licença-paternidade, considerando os impactos fiscais da medida. Nos dois primeiros anos de vigência da lei, a licença será de dez dias corridos. No terceiro ano, o período sobe para quinze dias. A partir do quarto ano, a licença alcançará vinte dias corridos.
A efetivação dos vinte dias está condicionada ao cumprimento da meta fiscal estabelecida na Lei de Diretrizes Orçamentárias no segundo ano de vigência da legislação. Trata-se de uma salvaguarda incluída para garantir a responsabilidade fiscal da medida e evitar resistências relacionadas ao impacto orçamentário. Um ponto importante é que, uma vez alcançada a meta fiscal e implementados os vinte dias de licença, esse período não poderá mais ser reduzido, mesmo que haja novo descumprimento fiscal em anos posteriores.
Reconhecendo que famílias de crianças e adolescentes com deficiência enfrentam demandas específicas e mais intensas de cuidado, o projeto prevê um acréscimo de um terço no período da licença-paternidade nesses casos. Assim, quando a criança ou adolescente tiver deficiência, o pai terá direito a um período estendido, que poderá chegar a aproximadamente 26 dias quando a licença alcançar os vinte dias básicos.
Salário-paternidade como benefício previdenciário
Uma das principais inovações do projeto é a criação do salário-paternidade como benefício previdenciário, nos moldes do que já existe para a maternidade. O texto altera tanto a Consolidação das Leis do Trabalho quanto as leis da Seguridade Social para garantir tratamento mais coerente e estruturado ao direito paterno.
Na prática, o salário-paternidade será pago pela empresa ao trabalhador durante o período de afastamento, mas a empresa poderá compensar esse valor na folha de pagamento do Instituto Nacional do Seguro Social. Em alguns casos específicos, como para trabalhadores avulsos e segurados especiais, o benefício será pago diretamente pela Previdência Social. O período de licença-paternidade contará como tempo de contribuição previdenciária, garantindo que o afastamento não prejudique a contagem de tempo para aposentadoria ou outros benefícios do trabalhador.
Estabilidade no emprego e proteção à família
O projeto estabelece proteção robusta ao vínculo empregatício do pai. A dispensa sem justa causa fica proibida desde o início do afastamento até um mês após o término da licença-paternidade. Essa estabilidade provisória é fundamental para evitar que trabalhadores sejam punidos por exercerem seu direito de cuidar dos filhos nos primeiros dias de vida.
Além disso, o empregado poderá optar por juntar as férias ao período de licença-paternidade, desde que comunique ao empregador com a antecedência necessária. Essa possibilidade permite que o pai estenda seu período de convivência com o recém-nascido, somando as férias aos dias de licença e criando um período mais longo de dedicação exclusiva à família.
A legislação inclui mecanismos importantes para combater práticas discriminatórias contra trabalhadores pais. Empresas que negarem ou dificultarem o acesso à licença-paternidade poderão sofrer sanções, reforçando que se trata de um direito trabalhista e não de uma benesse ou favor do empregador. Por outro lado, o texto também traz uma previsão de suspensão ou rejeição do benefício em casos de violência doméstica ou abandono material comprovado, garantindo que a licença seja exercida em contextos de cuidado real e proteção familiar.
Adoção, guarda e famílias monoparentais
Um dos avanços mais significativos do projeto é a regulamentação clara da licença-paternidade em situações que, até agora, careciam de regras específicas. O texto garante o direito à licença em casos de adoção, guarda para fins de adoção, falecimento da mãe e em famílias monoparentais.
Essa ampliação reconhece a diversidade das configurações familiares brasileiras e assegura que o direito ao cuidado não se restringe apenas ao modelo tradicional de família. Pais adotivos, pais que assumem a guarda da criança, viúvos e chefes de famílias monoparentais passam a ter proteção legal clara para se dedicarem aos cuidados iniciais da criança.
Por que a presença paterna importa
Pesquisas científicas de diferentes áreas convergem para a conclusão de que a presença paterna nos primeiros dias e meses de vida da criança traz benefícios mensuráveis e duradouros. Estudos em desenvolvimento infantil mostram que bebês cujos pais estão ativamente envolvidos desde o nascimento apresentam melhor desenvolvimento cognitivo, emocional e social.
A neurociência tem demonstrado que o envolvimento paterno precoce contribui para o estabelecimento de vínculos seguros, que são fundamentais para o desenvolvimento emocional saudável da criança. Pais que participam ativamente dos cuidados nos primeiros dias tendem a manter esse envolvimento ao longo da infância, criando laços mais fortes com os filhos.
Para as mães, a presença do parceiro no puerpério reduz significativamente os riscos de depressão pós-parto e facilita a recuperação física do parto ou cesárea. A divisão das tarefas de cuidado, especialmente nas primeiras semanas, quando a privação de sono é intensa, faz diferença concreta na saúde mental materna.
Além disso, estudos sociológicos apontam que políticas de licença-paternidade contribuem para reduzir desigualdades de gênero no mercado de trabalho. Quando ambos os pais têm direito a períodos de afastamento, reduz-se a percepção de que contratar mulheres representa um risco maior para o empregador, combatendo discriminação que persiste em processos seletivos e progressões de carreira.
O atraso brasileiro em perspectiva internacional
Com apenas cinco dias de licença-paternidade, o Brasil está muito aquém dos padrões internacionais, especialmente quando comparado a países desenvolvidos e mesmo a alguns vizinhos latino-americanos. Na Europa, vários países oferecem licenças-paternidade generosas. A Suécia, referência mundial na área, garante 90 dias exclusivos para o pai, com remuneração de 80% do salário. A Noruega oferece 15 semanas, a Islândia prevê 12 semanas e Portugal recentemente ampliou sua licença-paternidade obrigatória para 28 dias.
Mesmo em países menos desenvolvidos economicamente, há políticas mais robustas. A Coreia do Sul oferece até dez dias de licença remunerada obrigatória, mais períodos adicionais opcionais. O Chile prevê cinco dias úteis obrigatórios mais até dez dias opcionais de licença parental compartilhada.
A ampliação para vinte dias, embora represente avanço significativo para a realidade brasileira, ainda mantém o país distante das melhores práticas internacionais. No entanto, trata-se de um passo importante que pode abrir caminho para futuras ampliações.
Programa Empresa Cidadã e próximos passos
O projeto mantém a compatibilidade com o Programa Empresa Cidadã, iniciativa que permite a empresas participantes estenderem voluntariamente a licença-paternidade. Atualmente, o programa prevê extensão de quinze dias além dos cinco obrigatórios. Com a nova legislação, as empresas participantes poderão somar os quinze dias adicionais ao novo período obrigatório, oferecendo até 35 dias de licença-paternidade quando o período obrigatório alcançar vinte dias.
Com a aprovação na Comissão de Assuntos Sociais, o projeto seguirá para votação no plenário do Senado Federal em regime de urgência. Se aprovado no Senado, o texto retorna à Câmara dos Deputados para análise das eventuais alterações. A expectativa é que o projeto seja aprovado ainda neste ano legislativo, permitindo que a primeira fase de ampliação entre em vigor já em 2026.
Mais do que uma alteração legal, a ampliação da licença-paternidade representa uma mudança cultural importante na sociedade brasileira. Por décadas, o cuidado com recém-nascidos foi visto quase exclusivamente como responsabilidade materna. A nova legislação reconhece que paternidade ativa não é favor ou ajuda, mas direito e responsabilidade que deve ser socialmente valorizada e legalmente protegida.
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Jornalista; Assessor de Comunicação; Atuando também na produção de conteúdos sobre o mundo trabalhista e a justiça do trabalho no Brasil para o portal Direito do Empregado.
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