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Ganhar uma ação trabalhista deveria ser sinônimo de alívio e garantia de recebimento dos valores devidos. No entanto, muitos trabalhadores que conquistam vitórias na Justiça acabam perdendo tudo por um detalhe processual: a falta de acompanhamento do andamento do processo após a sentença favorável. É justamente para evitar essa situação injusta que tramita no Senado Federal um projeto de lei que promete revolucionar a proteção aos direitos do trabalhador.
A iniciativa, de autoria do senador Jorge Kajuru (PSB-GO), estabelece uma garantia fundamental: o prazo para que o trabalhador perca definitivamente o direito de cobrar uma dívida trabalhista só poderá começar a contar depois que ele for notificado pessoalmente sobre a situação de risco. O projeto aguarda tramitação na Comissão de Constituição e Justiça do Senado.
O problema: trabalhadores perdem direitos por desconhecimento
A situação que o projeto busca corrigir é mais comum do que se imagina. Após obter uma sentença favorável na Justiça do Trabalho, o trabalhador precisa acompanhar o andamento do processo para garantir que o pagamento seja efetivado. Isso pode envolver diversas etapas: localização de bens do devedor, penhora de valores, leilões judiciais e outros procedimentos de execução.
O problema surge quando o trabalhador deixa de praticar algum ato necessário para dar continuidade ao processo. Pode ser a indicação de bens do devedor, a manifestação sobre uma proposta de acordo, o comparecimento a uma audiência ou qualquer outra providência que dependa de iniciativa da parte interessada.
Atualmente, se o processo ficar paralisado por determinado período devido à inércia do trabalhador, o juiz pode declarar o abandono da causa e arquivar o processo definitivamente. Quando isso acontece, o trabalhador perde não apenas a ação, mas o próprio direito de cobrar a dívida para sempre. É como se a vitória na Justiça jamais tivesse existido.
O que torna a situação ainda mais grave é que, em muitos casos, o trabalhador sequer tem conhecimento de que precisa tomar alguma providência. As intimações judiciais, na maioria das vezes, são feitas apenas por meio de publicação no Diário Oficial ou através do advogado constituído nos autos. Se o trabalhador mudou de endereço, não tem mais contato com o advogado ou simplesmente não acompanha as publicações oficiais, pode perder todos os seus direitos sem ao menos saber que o processo estava em risco.
A solução proposta
O projeto de Kajuru muda completamente esse cenário ao estabelecer uma regra clara e protetiva: antes que o prazo para perda do processo comece a correr, o juiz deverá notificar o trabalhador pessoalmente sobre a situação.
Na prática, isso significa que o trabalhador receberá um aviso direto, claro e inequívoco de que o processo está parado por falta de manifestação sua e de que, se nada for feito, ele corre o risco de perder todos os direitos conquistados. Essa notificação pessoal pode ser feita de diversas formas: por carta com aviso de recebimento, por oficial de justiça, por telefone, por e-mail ou até mesmo por aplicativo de mensagens, desde que haja comprovação de que o trabalhador efetivamente tomou conhecimento da situação.
Somente após essa notificação pessoal é que começaria a contar o prazo para que o trabalhador tome as providências necessárias. Caso ele permaneça inerte mesmo depois de devidamente avisado, aí sim o juiz poderia considerar que houve abandono da causa e arquivar o processo.
A importância da vulnerabilidade do trabalhador
Ao justificar sua proposta, o senador Kajuru destaca um aspecto fundamental das relações trabalhistas: a vulnerabilidade do trabalhador. Essa vulnerabilidade se manifesta de diversas formas. Muitos trabalhadores não têm conhecimento técnico sobre procedimentos judiciais e dependem inteiramente de seus advogados para compreender o que está acontecendo no processo. Outros enfrentam dificuldades para acessar informações processuais por não terem familiaridade com sistemas eletrônicos ou por não disporem de recursos tecnológicos adequados.
Há ainda a questão da hipossuficiência econômica. Trabalhadores que ingressam com ações trabalhistas, na grande maioria dos casos, estão em situação financeira delicada. Muitas vezes desempregados ou subempregados, podem não ter condições de manter contato constante com advogados ou de acompanhar regularmente o andamento de seus processos.
O princípio da proteção ao trabalhador
A proposta se alinha a um dos princípios fundamentais do Direito do Trabalho: o princípio da proteção. Esse princípio reconhece que existe uma desigualdade natural entre empregador e empregado, e que cabe ao Direito estabelecer mecanismos para compensar essa diferença de forças.
Na esfera processual, esse princípio se traduz em diversas garantias concedidas ao trabalhador. A Justiça do Trabalho já adota, por exemplo, normas mais flexíveis quanto à comprovação de fatos pelo empregado, considerando que muitas vezes ele não tem acesso a documentos e informações que ficam sob controle do empregador.
O projeto do senador vai na mesma direção, ao garantir que o trabalhador não seja prejudicado por falhas de comunicação ou por dificuldades no acompanhamento processual. Afinal, de que adianta o trabalhador vencer uma ação na Justiça se, por questões meramente procedimentais, ele pode perder tudo sem ao menos ter conhecimento do que está acontecendo?
Dados sobre execuções trabalhistas no Brasil
A relevância do projeto fica ainda mais evidente quando se analisam os números da Justiça do Trabalho brasileira. Segundo dados do Tribunal Superior do Trabalho (TST), milhões de processos trabalhistas tramitam anualmente no país, e uma parcela significativa deles permanece na fase de execução por anos a fio.
A fase de execução é justamente o momento em que o trabalhador, já vencedor da ação, busca receber efetivamente os valores que lhe foram reconhecidos. Essa etapa costuma ser demorada e complexa, envolvendo a localização de bens do devedor, bloqueios de contas bancárias, penhoras de imóveis e veículos, realização de leilões e diversos outros procedimentos.
Não é raro que processos de execução trabalhista se estendam por cinco, dez ou até mais anos. Durante todo esse tempo, o trabalhador precisa estar atento ao andamento do processo e pronto para se manifestar sempre que solicitado. É exatamente nesse longo período de espera que muitos trabalhadores acabam perdendo o contato com o processo e, consequentemente, seus direitos.
Estudos apontam que uma das principais causas de morosidade na Justiça do Trabalho é justamente a dificuldade em localizar o trabalhador para intimações e comunicações processuais. Muitos mudam de endereço após o término do contrato de trabalho, perdem o contato com o advogado que os representou ou simplesmente não conseguem acompanhar as movimentações processuais por falta de acesso à internet ou conhecimento sobre sistemas eletrônicos.
O equilíbrio entre as partes
É importante ressaltar que o projeto não pretende beneficiar trabalhadores que simplesmente abandonam seus processos de forma deliberada. A exigência de intimação pessoal não elimina o instituto do abandono de causa, mas apenas garante que o trabalhador tenha efetivo conhecimento da situação antes que o prazo para perda do direito comece a correr.
Dessa forma, a proposta busca encontrar um ponto de equilíbrio: de um lado, protege o trabalhador de perder direitos conquistados por meras falhas de comunicação; de outro, não prejudica desnecessariamente o empregador, que também tem interesse na finalização do processo.
Afinal, processos que se arrastam indefinidamente prejudicam ambas as partes e congestionam o Judiciário. O empregador fica com uma dívida pendente por tempo indeterminado, sem saber se e quando precisará efetuar o pagamento. O trabalhador, por sua vez, não recebe os valores que lhe são devidos. E a Justiça acumula processos paralisados que poderiam ser resolvidos mais rapidamente.
Com a garantia de intimação pessoal, o trabalhador que efetivamente deseja prosseguir com a execução terá a oportunidade de fazê-lo, enquanto aquele que não tem mais interesse em dar continuidade ao processo terá pleno conhecimento das consequências de sua inércia antes de perder definitivamente seus direitos.
Tramitação no Congresso
O projeto aguarda análise na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado Federal. Essa comissão tem a função de avaliar se a proposta está em conformidade com a Constituição Federal e com o ordenamento jurídico brasileiro.
Caso seja aprovado na CCJ, o projeto seguirá para outras comissões temáticas relevantes, como a Comissão de Assuntos Sociais, antes de ser votado no plenário do Senado. Se aprovado pelos senadores, o texto seguirá para análise da Câmara dos Deputados.
A expectativa é que a proposta receba amplo apoio de parlamentares, considerando que ela fortalece a proteção aos direitos dos trabalhadores sem criar obstáculos excessivos ao andamento dos processos. Entidades representativas de trabalhadores, sindicatos e organizações ligadas à defesa de direitos sociais devem se mobilizar para apoiar a aprovação do projeto.
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Jornalista; Assessor de Comunicação; Atuando também na produção de conteúdos sobre o mundo trabalhista e a justiça do trabalho no Brasil para o portal Direito do Empregado.
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