O empregado pode receber adicional de insalubridade e periculosidade ao mesmo tempo?

Muitos trabalhadores, e até mesmo profissionais do direito tinham dúvidas acerca da possibilidade de cumulação dos adicionais de periculosidade e insalubridade, ou seja, se o empregado exposto a condições insalubres e concomitantemente perigosas, teria o direito de receber ambos adicionais

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Nessa linha, há quem defenda que se o empregado estiver exposto a fontes geradoras diferentes, teria o direito à cumulação. Por exemplo: um trabalhador que executa atividade em ambiente com armazenamento de líquidos inflamáveis (periculosidade) bem como exposto a ruído acima dos limites legais (insalubridade).

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O e. TST, através de julgamento cuja relatoria pertenceu ao ilm. Ministro Cláudio Brandão, manifestou-se nesse sentido, vejamos:

RECURSO DE REVISTA

Tribunal Superior do Trabalho, Brasil. CUMULAÇÃO DOS ADICIONAIS DE INSALUBRIDADE E PERICULOSIDADE. POSSIBILIDADE. PREVALÊNCIA DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS E SUPRALEGAIS SOBRE A CLT. JURISPRUDÊNCIA CONSOLIDADA DO STF QUANTO AO EFEITO PARALISANTE DAS NORMAS INTERNAS EM DESCOMPASSO COM OS TRATADOS INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS. INCOMPATIBILIDADE MATERIAL. CONVENÇÕES NOS 148 E 155 DA OIT. NORMAS DE DIREITO SOCIAL. CONTROLE DE CONVENCIONALIDADE. NOVA FORMA DE VERIFICAÇÃO DE COMPATIBILIDADE DAS NORMAS INTEGRANTES DO ORDENAMENTO JURÍDICO. A previsão contida no artigo 193, § 2º, da CLT não foi recepcionada pela Constituição Federal de 1988, que, em seu artigo 7º, XXIII, garantiu de forma plena o direito ao recebimento dos adicionais de penosidade, insalubridade e periculosidade, sem qualquer ressalva no que tange à cumulação, ainda que tenha remetido sua regulação à lei ordinária. A possibilidade da aludida cumulação se justifica em virtude de os fatos geradores dos direitos serem diversos. Não se há de falar em bis in idem. No caso da insalubridade, o bem tutelado é a saúde do obreiro, haja vista as condições nocivas presentes no meio ambiente de trabalho; já a periculosidade traduz situação de perigo iminente que, uma vez ocorrida, pode ceifar a vida do trabalhador, sendo este o bem a que se visa proteger. A regulamentação complementar prevista no citado preceito da Lei Maior deve se pautar pelos princípios e valores insculpidos no texto constitucional, como forma de alcançar, efetivamente, a finalidade da norma. Outro fator que sustenta a inaplicabilidade do preceito celetista é a introdução no sistema jurídico interno das Convenções Internacionais nos 148 e 155, com status de norma materialmente constitucional ou, pelo menos, supralegal, como decidido pelo STF. A primeira consagra a necessidade de atualização constante da legislação sobre as condições nocivas de trabalho e a segunda determina que sejam levados em conta os “riscos para a saúde decorrentes da exposição simultânea a diversas substâncias ou agentes”. Nesse contexto, não há mais espaço para a aplicação do artigo 193, § 2º, da CLT. Recurso de revista de que se conhece e a que se nega provimento. RR nº 1072-72.2011.5.02.0384. Rel. Min. Cláudio Brandão. DEJT 03.10.2014. (grifo-nosso)

Em contrapartida, há forte corrente que defendia que o §2º do art. 193 da CLT, recepcionado pela CRFB/88, vedava a cumulação, pois seu texto afirma que “O empregado poderá optar pelo adicional de insalubridade que porventura lhe seja devido.”.

Isto é, o empregado deveria escolher entre um ou outro.

Pois bem.

Em março de 2020, o e. TST resolveu de uma vez por todas a divergência através do julgamento de Incidente de Recurso Repetitivo pela SBDI-I n° 239-55.2011.5.02.0319, que decidiu então pela impossibilidade de cumulação dos adicionais, ainda que amparados em fatos geradores distintos e autônomos.

TST firmou entendimento sobre a impossibilidade da cumulação dos adicionais de insalubridade e periculosidade

Vejamos o aresto oriundo do referido julgamento:

INCIDENTE DE RECURSOS REPETITIVOS. ADICIONAIS DE PERICULOSIDADE E DE INSALUBRIDADE. IMPOSSIBILIDADE DE CUMULAÇÃO, AINDA QUE AMPARADOS EM FATOS GERADORES DISTINTOS E AUTÔNOMOS. INTERPRETAÇÃO SISTEMÁTICA DO ORDENAMENTO JURÍDICO. RECEPÇÃO DO ART. 193, § 2º, DA CLT, PELA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. 1.Incidente de recursos repetitivos, instaurado perante a SBDI-1, para decidir-se, sob as perspectivas dos controles de constitucionalidade e de convencionalidade, acerca da possibilidade de cumulação dos adicionais de periculosidade e de insalubridade, quando amparados em fatos geradores distintos e autônomos, diante de eventual ausência de recepção da regra do art. 193, § 2º, da CLT, pela Constituição Federal. 2. Os incisos XXII e XXIII do art. 7º da Constituição Federal são regras de eficácia limitada, de natureza programática. Necessitam da “interpositio legislatoris”, embora traduzam normas jurídicas tão preceptivas quanto as outras. O princípio orientador dos direitos fundamentais sociais, neles  fixado, é a proteção da saúde do trabalhador. Pela topografia dos incisos – o XXII trata da redução dos riscos inerentes ao trabalho e o XXIII, do adicional pelo exercício de atividades de risco –, observa-se que a prevenção deve ser priorizada em relação à compensação, por meio de retribuição pecuniária (a monetização do risco), dos efeitos nocivos do ambiente de trabalho à saúde do trabalhador. 3. Gramaticalmente, a conjunção “ou”, bem como a utilização da palavra “adicional”, no inciso XXIII do art. 7º, da Carta Magna, no singular, admite supor-se alternatividade entre os adicionais. 4. O legislador, no art. 193, § 2º, da CLT, ao facultar ao empregado a opção pelo recebimento de um dos adicionais devidos, por certo, vedou o pagamento cumulado dos títulos, sem qualquer ressalva. 5. As Convenções 148 e 155 da OIT não tratam de cumulação de adicionais de insalubridade e de periculosidade. 6. Conforme ensina Malcom Shaw, “quando uma lei e um tratado têm o mesmo objeto, os tribunais buscarão interpretá-los de forma que deem efeito a ambos sem contrariar a letra de nenhum dos dois”. É o que se recomenda para o caso, uma vez que os textos comparados (Constituição Federal, Convenções da OIT e CLT) não são incompatíveis (a regra da impossibilidade de cumulação adequa-se à transição para o paradigma preventivo), mesmo considerado o caráter supralegal dos tratados que versem sobre direitos humanos. É inaplicável, ainda, o princípio da norma mais favorável, na contramão do plano maior, por ausência de contraposição ou paradoxo. 7. Há Lei e jurisprudência consolidada sobre a matéria. Nada, na conjuntura social, foi alterado, para a ampliação da remuneração dos trabalhadores no caso sob exame. O art. 193, § 2º, da CLT, não se choca com o regramento constitucional ou convencional. 8. Pelo exposto, fixa-se a tese jurídica: o art. 193, § 2º, da CLT foi recepcionado pela Constituição Federal e veda a cumulação dos adicionais de insalubridade e de periculosidade, ainda que decorrentes de fatos geradores distintos e autônomos. Tese fixada.

Em seu voto o Min. Relator Alberto Bresciani destacou que:

“ (…) o legislador, ao facultar ao empregado a opção pelo recebimento de um dos adicionais porventura devidos, por certo, vedou o pagamento cumulado dos títulos, sem qualquer ressalva. A corrente intermediária, adotada em julgados desta Corte, sustenta que a interpretação teleológica do texto legal levaria à hipótese de cumulação, quando os adicionais forem decorrentes de fontes geradoras distintas. Como se verá adiante, defendo que a teleologia do texto do art. 193, § 2º, é, propriamente, a vedação à cumulação, para priorizar o paradigma preventivo de tutela da saúde do trabalhador.

(…)

Por fim, recuso a interpretação teleológica de que o art. 193, § 2º, da CLT só faria sentido se limitasse o direito à percepção de um ou outro adicional, quando decorrentes da mesma origem. Ora, se não é possível cumular dois adicionais de insalubridade por situações diferentes, também não é possível cumular adicional de insalubridade com adicional de periculosidade, ainda que diversos os fatos geradores.

(…) “

Por fim, fixou-se a tese de que “o art. 193, § 2º, da CLT foi recepcionado pela Constituição Federal e veda a cumulação dos adicionais de insalubridade e de periculosidade, ainda que decorrentes de fatos geradores distintos e autônomos.”.

Portanto, tendo a decisão sido publicada em 06/03/2020, resta ao trabalhador, então, optar pelo adicional que lhe for mais favorável. Lembrando que a insalubridade é dividida em grau mínimo (10% sobre o salário mínimo), médio (20% sobre o salário mínimo) ou máximo (40% sobre o salário mínimo), já a periculosidade é fixada em 30% sobre o salário, conforme arts. 192 e 193, §1º da CLT.

Sthefania Machado

Advogada trabalhista. Especialista em Processo Civil pela Faculdade de Direito de Vitória (FDV) e Pós-graduanda em Direito Previdenciário. Siga no Instagram: @adv.sthefania


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