Relator mantém escala 6×1 e propõe redução gradual para 40 horas semanais

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O debate sobre o fim da escala 6×1 no Brasil ganhou novos contornos na última semana. O deputado federal Luiz Gastão (PSD-CE), relator da Subcomissão Especial da Escala de Trabalho 6×1, apresentou um parecer que frustra as expectativas de quem esperava o fim imediato desse regime de trabalho, mas avança em outras frentes importantes para os trabalhadores brasileiros. A proposta mantém a possibilidade de trabalho em seis dias por semana, mas reduz a jornada máxima semanal de 44 para 40 horas, sem corte de salário.

O relatório foi apresentado na Câmara dos Deputados no dia 3 de dezembro, mas a votação foi adiada após pedido de vista coletiva de deputados governistas, que criticaram duramente o texto. A proposta original, de autoria da deputada Erika Hilton (PSOL-SP), previa o fim completo da escala 6×1 e estabelecia uma jornada máxima de 36 horas semanais, com quatro dias de trabalho e três de descanso.

A proposta de 40 horas: uma via intermediária

O parecer de Luiz Gastão apresenta dois anteprojetos: uma Proposta de Emenda à Constituição e um projeto de lei ordinária para alterar a Consolidação das Leis do Trabalho. A PEC modifica o artigo 7º da Constituição Federal para fixar a duração do trabalho normal em, no máximo, oito horas diárias e 40 horas semanais. Já o projeto de lei regulamenta como essa transição acontecerá na prática.

A redução da jornada seria implementada de forma escalonada ao longo de três anos. No primeiro ano de vigência da nova lei, a jornada máxima seria de 42 horas semanais. No segundo ano, cairia para 41 horas. E somente no terceiro ano seria estabelecido o limite de 40 horas semanais. Essa transição gradual tem o objetivo de permitir que empresas se adaptem às mudanças sem rupturas bruscas em seus modelos de gestão.

O relator justifica a escolha por 40 horas semanais, em vez das 36 horas previstas no texto original, argumentando que a implementação imediata da jornada mais curta poderia acarretar impactos econômicos negativos, como queda na produção, redução da produtividade e elevação do desemprego. Segundo Gastão, dados do mercado de trabalho mostram que a jornada média no Brasil já é de 37,9 horas semanais, conforme acordos coletivos vigentes, o que indicaria que a meta de 40 horas é mais realista para o momento atual.

Escala 6×1 permanece, mas com novas restrições

Apesar de manter a possibilidade da escala 6×1, o relatório cria limitações importantes que tornam esse regime menos atrativo economicamente para os empregadores, especialmente em relação ao trabalho aos finais de semana. A principal mudança é a limitação da jornada aos sábados e domingos a, no máximo, seis horas diárias.

Qualquer hora trabalhada além desse limite nos finais de semana deverá ser paga com adicional de 100% sobre o valor da hora normal. Essa regra encarece significativamente a manutenção de jornadas prolongadas aos sábados e domingos, podendo estimular as empresas a adotarem escalas mais equilibradas e sistemas de revezamento mais amplos.

Além disso, o texto determina que, havendo trabalho aos domingos, será obrigatória a escala de revezamento quinzenal, garantindo que os trabalhadores tenham ao menos um domingo de descanso a cada duas semanas. Essa medida visa proteger o direito ao repouso dominical, tradicionalmente dedicado ao convívio familiar e religioso.

Na prática, para quem trabalha em escala 6×1, se a jornada de 40 horas for aprovada, o trabalhador terá uma jornada diária média de aproximadamente 6 horas e 40 minutos, considerando as 40 horas divididas pelos seis dias de trabalho. Isso representa uma redução em relação às atuais 7 horas e 20 minutos que resultam da divisão de 44 horas por seis dias.

Manutenção salarial e compensações tributárias

Um ponto fundamental da proposta é a garantia de que a redução da jornada ocorrerá sem nenhum corte salarial. Trabalhadores que hoje recebem determinado valor por 44 horas semanais continuarão recebendo o mesmo montante por 40 horas semanais. Essa previsão é essencial para evitar perdas no poder de compra dos trabalhadores e garantir que a medida represente efetivamente uma melhoria nas condições de trabalho.

Para compensar o impacto financeiro sobre os empregadores, o relator propõe uma redução de encargos sobre a folha de pagamento para empresas cuja despesa com pessoal represente parcela significativa do faturamento. A proposta estabelece um desconto gradual da contribuição sobre a folha para empregadores cuja razão entre folha de salários e faturamento seja superior a 30%.

O desconto seria progressivo: empresas com folha de pagamento representando 30% do faturamento teriam um pequeno desconto, enquanto aquelas cuja folha representa 50% ou mais do faturamento receberiam desconto de até 50% nas contribuições. Essa medida busca aliviar especialmente setores intensivos em mão de obra, como comércio e serviços, que seriam os mais impactados pela redução da jornada.

A reação do governo e a defesa da escala 5×2

O parecer de Luiz Gastão foi recebido com críticas duras por parte do governo federal. A ministra das Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann, manifestou surpresa com o teor do relatório, que se afasta significativamente da proposta defendida pelo Executivo. O governo Lula apoia o fim da escala 6×1 e a adoção da escala 5×2, com jornada máxima de 36 horas semanais.

Durante a sessão da subcomissão, o deputado Vicentinho (PT-SP), falando como representante do governo, foi enfático ao defender a extinção da escala 6×1 e criticar a proposta de compensações tributárias aos empresários. O parlamentar pediu vista coletiva do relatório, adiando a votação, e afirmou que o governo não admite a hipótese de manter a jornada 6×1.

Vicentinho argumentou que várias empresas já adotam jornadas de 40 horas semanais ou menos e não quebraram. Pelo contrário, segundo o deputado, ganharam produtividade porque os trabalhadores ficaram mais satisfeitos e tiveram mais tempo para convívio familiar. O governo defende que não basta reduzir a carga horária semanal; é essencial garantir dias inteiros de descanso para que as pessoas possam organizar suas vidas, cuidar da família e ter lazer.

O que dizem os defensores da proposta

Luiz Gastão defendeu seu relatório argumentando que a proposta busca compatibilizar interesses distintos. De um lado, atende a reivindicação dos trabalhadores por mais tempo livre e melhor equilíbrio entre vida pessoal e profissional. De outro, leva em consideração as preocupações dos empregadores com custos operacionais e com a manutenção de rotinas produtivas já consolidadas.

O relator citou a Recomendação 116 da Organização Internacional do Trabalho, de 1962, que orienta a redução progressiva da jornada e manutenção de salários por meio de leis, acordos coletivos ou outros meios alinhados com as práticas nacionais. A primeira convenção da OIT, de 1919, havia estabelecido jornadas máximas de oito horas diárias e 48 horas semanais, padrão que o Brasil já superou.

Gastão sustenta que a jornada de 40 horas semanais representa um avanço significativo na promoção da saúde, da qualidade de vida e da eficiência produtiva. O parlamentar defendeu ainda que a continuidade dos debates pode permitir que novas reduções de jornada sejam gradualmente aprovadas ao longo dos próximos dez anos, até se alcançar o modelo 5×2 defendido pelo governo.

Impactos práticos para trabalhadores e empresas

Para os trabalhadores, a redução de 44 para 40 horas semanais representa quatro horas a menos de trabalho por semana, mantendo o mesmo salário. Ao longo de um mês, isso equivale a aproximadamente 16 horas a mais de tempo livre. Em um ano, seriam cerca de 208 horas a menos de trabalho, o equivalente a mais de 25 dias de oito horas.

Esse tempo adicional pode ser usado para descanso, lazer, convívio familiar, estudos ou atividades pessoais. Especialistas em saúde do trabalho apontam que jornadas excessivas estão associadas a diversos problemas de saúde física e mental, incluindo estresse crônico, ansiedade, depressão, doenças cardiovasculares e distúrbios do sono. A redução da jornada pode contribuir para melhorar a qualidade de vida e a saúde dos trabalhadores.

Para as empresas, os impactos variam conforme o setor e o modelo de negócio. Setores com alta intensidade de mão de obra, como comércio varejista, restaurantes, hotelaria e serviços de limpeza e segurança, podem precisar contratar mais funcionários ou reorganizar escalas de trabalho. Setores mais automatizados ou com jornadas já próximas de 40 horas semanais terão menor impacto.

A experiência internacional mostra resultados diversos. Países que reduziram jornadas de trabalho geralmente reportam ganhos em produtividade, satisfação dos trabalhadores e atração de talentos, mas também enfrentam desafios de ajuste, especialmente em pequenas e médias empresas com margens de lucro reduzidas.

Próximos passos e expectativas

Após o pedido de vista coletiva, a votação do relatório foi adiada. O presidente da Comissão de Trabalho da Câmara, deputado Leo Prates (PDT-BA), sugeriu que poderá apresentar um novo texto na próxima semana se houver consenso na subcomissão. A expectativa é que as discussões avancem ainda este ano, mas não há garantia de que um acordo será alcançado rapidamente.

Os dois anteprojetos apresentados por Luiz Gastão ainda precisam ser protocolados formalmente para iniciar a tramitação oficial. A PEC, por se tratar de mudança constitucional, precisará ser aprovada em dois turnos em cada casa do Congresso Nacional, com maioria qualificada de três quintos dos votos. Já o projeto de lei ordinária segue o rito legislativo normal.

A discussão sobre a redução da jornada de trabalho e o fim da escala 6×1 mobiliza diferentes setores da sociedade. Sindicatos e movimentos sociais defendem avanços mais ousados, com jornadas menores e mais dias de descanso. Entidades empresariais alertam para possíveis impactos econômicos e defendem que mudanças sejam graduais e acompanhadas de compensações. O governo tenta construir consenso em torno de uma proposta que equilibre direitos dos trabalhadores e viabilidade econômica.

O desfecho dessa discussão pode representar a maior mudança nas relações de trabalho no Brasil desde a promulgação da Consolidação das Leis do Trabalho, em 1943, e da Constituição de 1988. A forma como o país organizará o tempo de trabalho e descanso de milhões de brasileiros nas próximas décadas está sendo definida agora no Congresso Nacional.

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