Muitos trabalhadores brasileiros, em algum momento da carreira, já se depararam com situações no ambiente de trabalho que os fazem questionar: “Por que permanecer em um emprego onde não sou valorizado ou onde meus direitos são violados?”
Mas o que muitos não sabem é que a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) prevê situações em que o empregado pode “demitir” o seu chefe, ou, mais tecnicamente falando, pleitear a rescisão indireta do contrato de trabalho.
Este é um mecanismo que garante ao trabalhador o direito de romper o contrato devido a falhas graves cometidas pelo empregador.
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Entendendo a rescisão indireta
A rescisão indireta, conforme previsto na CLT, acontece quando a falta cometida pelo empregador é tão grave que torna inviável a continuação do vínculo empregatício.
Em outras palavras, é como se o empregador tivesse demitido o trabalhador sem justa causa, e, portanto, o empregado tem direito a todas as verbas rescisórias como se assim tivesse sido.
É fundamental destacar que a rescisão indireta não se concretiza de maneira automática. Ao contrário, para efetivar essa modalidade de rescisão, é necessário acionar a Justiça do Trabalho.
Isso significa que, na prática, você provavelmente precisará da assistência de um advogado especializado em Direito Trabalhista para auxiliar no processo.
Este profissional será responsável por orientá-lo sobre os procedimentos, juntar as devidas provas das infrações cometidas pelo empregador e representá-lo durante o processo. A presença de um advogado é crucial para garantir que todos os direitos do trabalhador sejam devidamente assegurados e que o processo ocorra de maneira justa e eficiente.
Quando é possível solicitar a rescisão indireta?
O artigo 483 da CLT elenca as situações em que a rescisão indireta pode ser solicitada:
a) Quando o empregador exige do trabalhador serviços que superem suas capacidades, que sejam proibidos, imorais ou que não estejam previstos em contrato.
b) Caso o trabalhador seja submetido a tratamento abusivo ou excessivamente rigoroso por parte do empregador ou seus superiores.
c) Em situações que coloquem em risco a integridade física ou psicológica do empregado.
d) Quando o empregador não cumpre com suas obrigações contratuais.
e) Se o empregador ou seus representantes cometerem atos que prejudiquem a honra e boa fama do empregado ou de sua família.
f) Se houver agressão física por parte do empregador, exceto em casos de legítima defesa.
g) Caso haja uma redução no trabalho (quando remunerado por tarefa ou peça) que afete significativamente os salários do trabalhador.
Além desses pontos, o artigo 483 também estabelece que:
O empregado pode rescindir o contrato caso tenha obrigações legais incompatíveis com a continuação do trabalho.
No falecimento do empregador de uma empresa individual, o empregado tem o direito de rescindir o contrato.
Nas situações mencionadas nos itens “d” e “g”, o empregado pode buscar a rescisão e o pagamento das indenizações, independentemente de continuar ou não no trabalho até a decisão final.
Situações mais comuns que podem gerar rescisão indireta
A rescisão indireta é uma ferramenta legal disponível ao trabalhador quando enfrenta situações onde o empregador não cumpre suas obrigações contratuais e legais de maneira grave. Dentre as diversas hipóteses previstas em lei para solicitar essa modalidade de rescisão, algumas são particularmente comuns no dia a dia das relações trabalhistas. Vamos explorar algumas delas:
Ausência de depósitos de FGTS
O Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) é um direito do trabalhador. O empregador deve depositar mensalmente um valor correspondente a 8% do salário do empregado em uma conta vinculada na Caixa Econômica Federal.
Se o trabalhador verificar que esses depósitos não estão sendo realizados ou estão ocorrendo de forma irregular, isso pode ser um fundamento para pedir a rescisão indireta, visto que se trata de uma clara inobservância das obrigações legais por parte do empregador.
Assédio moral no trabalho
O ambiente de trabalho deve ser saudável e livre de qualquer forma de violência psicológica. O assédio moral é caracterizado por comportamentos abusivos, frequentes e prolongados, que afetam a dignidade, a integridade psíquica ou física do trabalhador, e que podem comprometer sua carreira ou o ambiente de trabalho.
Situações de humilhações constantes, ridicularizações, sobrecarga intencional de tarefas, e outras formas de constrangimento podem fundamentar um pedido de rescisão indireta.
Atraso de salários por mais de 3 meses
O salário é um direito fundamental do trabalhador e sua regularidade é essencial para a manutenção de sua subsistência e de sua família.
Atrasos reiterados e prolongados, como o atraso por mais de três meses, demonstram uma grave inadimplência por parte do empregador e afetam diretamente a capacidade do empregado de cumprir com suas obrigações financeiras pessoais.
Esse cenário pode ser extremamente prejudicial ao trabalhador, sendo, assim, um forte motivo para solicitar a rescisão indireta.
Estas situações, embora sejam apenas exemplos, mostram a gravidade das faltas cometidas pelo empregador e a necessidade de proteção aos direitos do trabalhador. Ao se deparar com tais circunstâncias, é recomendável que o empregado procure orientação jurídica para tomar as medidas cabíveis.
O que você recebe na rescisão indireta?
A rescisão indireta é equivalente à demissão sem justa causa por parte do empregador, porém, é o empregado que toma a iniciativa com base em alguma falta grave cometida pelo empregador. Sendo assim, na ocorrência de uma rescisão indireta, o trabalhador tem direito a receber várias verbas rescisórias, assim como na demissão sem justa causa:
- Saldo de Salário: Referente aos dias trabalhados no mês da rescisão.
- Aviso Prévio: Pode ser indenizado ou trabalhado, dependendo da situação. Corresponde a 30 dias de salário.
- Férias Vencidas e Proporcionais: Se o empregado tem férias vencidas e não usufruídas, ele tem direito a receber esse valor, bem como o proporcional dos meses trabalhados até a rescisão.
- 13º Salário Proporcional: Corresponde ao número de meses trabalhados até a data da rescisão.
- FGTS do mês da Rescisão e Multa de 40%: O empregado tem direito ao depósito do FGTS referente ao mês da rescisão e à multa de 40% sobre o total depositado na conta do FGTS durante o período do contrato de trabalho.
- Liberação das Guias para Saque do FGTS e para o Seguro Desemprego: O empregado, ao ser demitido, tem direito a sacar o valor depositado em seu FGTS e, dependendo do tempo de serviço e das circunstâncias da demissão, pode ter direito também ao seguro desemprego.
Existe rescisão indireta amigável?
É importante esclarecer um ponto que gera dúvidas em muitos trabalhadores: não existe “rescisão indireta amigável”.
A rescisão indireta está fundamentada na ocorrência de faltas graves cometidas pelo empregador, tornando insustentável a manutenção do vínculo empregatício.
Diferente da demissão consensual ou término de contrato por mútuo acordo, onde ambas as partes decidem, de comum acordo, pelo fim do contrato de trabalho, a rescisão indireta é fruto de uma iniciativa unilateral do empregado perante falhas sérias do empregador.
Por isso, o termo “amigável” não se aplica a esta modalidade, já que ela nasce de um conflito e requer a intervenção da Justiça do Trabalho para sua efetivação.
Conclusão
Ter conhecimento dos seus direitos é fundamental para qualquer trabalhador.
Em momentos de adversidade no ambiente de trabalho, é importante saber que existem mecanismos legais de proteção. Portanto, antes de tomar qualquer decisão precipitada, consulte a CLT, busque orientação jurídica e entenda se você tem o direito de “demitir” o seu chefe através da rescisão indireta.
Mestre em Direito; Professor; Advogado; Especialista em relações trabalhistas desde 2013. É fundador e CEO do Portal Direito do Empregado que conta com milhões de seguidores nas redes sociais.
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