Empresa pode recusar atestado médico particular?

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Esses dias, quando eu estava estudando para roteirizar mais um Giro Trabalhista semanal, me deparei com uma notícia do TRT da Segunda Região (Justiça condena empresa por recusa de atestado médico particular) na qual uma empresa não aceitava atestados médicos particulares, se limitando à aceitação de atestado médicos do Sistema Único de Saúde (SUS).

Outro dia, no direct do nosso Instagram, uma seguidora desabafou que seu empregador não aceitava atestado de uma determinada UPA em sua cidade. Essa diferenciação não pode ser feita.

A própria juíza do primeiro caso argumentou que o documento da rede privada tem a mesma validade de outros: “Ao ‘legislar’ internamente, através de ‘circular’ que não mais seriam aceitos atestados de médico particular, a reclamada promoveu alteração contratual sem qualquer respaldo normativo, abusando do seu poder empregatício e do seu micro poder regulamentar”.

Portanto, empregador não pode, nem via regulamento, se limitar a receber atestados apenas do SUS.

O que diz a legislação sobre atestados médicos?

A questão dos atestados médicos no âmbito trabalhista é regulamentada pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e pela Resolução nº 1.851/2008 do Conselho Federal de Medicina (CFM). Quando analisamos essas normas, fica claro que não existe distinção entre atestados emitidos por profissionais do setor público ou privado.

A legislação estabelece que o empregado poderá deixar de comparecer ao serviço sem prejuízo do salário por motivo de doença, mediante comprovação por atestado médico. Note que a lei não faz qualquer restrição quanto à origem do atestado, se público ou privado.

A Resolução CFM nº 1.851/2008 é ainda mais específica ao estabelecer as normas sobre atestados médicos. O documento deixa claro que qualquer médico regularmente inscrito no Conselho Regional de Medicina pode emitir atestado médico, independentemente de trabalhar no setor público ou privado.

Por que algumas empresas fazem essa discriminação?

Durante minha experiência como advogado, percebi que algumas empresas tentam criar essas limitações por diferentes motivos. Muitas vezes, há uma desconfiança sobre a idoneidade de atestados particulares, como se fossem mais fáceis de serem “comprados” ou fraudados.

Essa percepção é completamente equivocada. Um médico particular está sujeito às mesmas normas éticas e legais que um médico do SUS. O Código de Ética Médica é o mesmo para todos os profissionais, independentemente do local onde exercem a medicina.

Outro fator que contribui para essa discriminação é a tentativa de controlar custos. Algumas empresas acreditam, erroneamente, que limitando a aceitação apenas a atestados do SUS, conseguiriam reduzir o número de faltas por doença. Essa lógica é falha e ilegal.

O poder regulamentar do empregador tem limites

É importante destacar que o empregador possui, sim, poder regulamentar dentro da empresa. Pode estabelecer normas internas, procedimentos e regulamentos. Contudo, esse poder não é absoluto e encontra limites claros na legislação trabalhista e constitucional.

No caso específico dos atestados médicos, o empregador não pode criar regras que contrariem a legislação vigente. Quando uma empresa estabelece que só aceita atestados do SUS, ela está extrapolando seu poder regulamentar e criando uma norma que vai contra o ordenamento jurídico brasileiro.

Os tribunais trabalhistas já se posicionaram diversas vezes sobre essa questão, sempre no sentido de que não pode haver discriminação entre atestados médicos com base na origem do serviço de saúde.

As consequências da recusa indevida

Quando uma empresa recusa indevidamente um atestado médico particular, várias consequências podem decorrer dessa atitude. A primeira e mais imediata é a caracterização de falta injustificada, com o consequente desconto no salário do empregado.

Essa situação pode gerar diversos problemas trabalhistas. O empregado pode buscar a Justiça do Trabalho para questionar a legalidade da recusa e pleitear o pagamento dos dias descontados indevidamente.

Além disso, a recusa sistemática de atestados particulares pode caracterizar assédio moral, principalmente quando há um padrão de comportamento discriminatório por parte da empresa. Já vi casos em que empregados conseguiram receber indenizações consideráveis por isso.

O papel do médico na emissão do atestado

Vale ressaltar que o médico, seja do setor público ou privado, tem responsabilidades específicas ao emitir um atestado médico. O documento deve conter informações precisas sobre a necessidade do afastamento, o período recomendado e a identificação completa do profissional.

O atestado médico é um documento de fé pública, e sua falsificação ou emissão fraudulenta configura crime. Por isso, não há motivo para desconfiança sistemática de atestados particulares, desde que emitidos por profissionais devidamente habilitados.

Orientações práticas para empregadores

Para os empregadores que podem estar lendo este artigo, é fundamental revisar suas políticas internas sobre atestados médicos. Qualquer norma que discrimine atestados com base em sua origem deve ser imediatamente revista e alterada.

A empresa pode, sim, estabelecer procedimentos para o recebimento e análise de atestados médicos, como prazos para entrega e formulários específicos. O que não pode é criar restrições quanto à origem do serviço de saúde que emitiu o documento.

Lembro sempre aos gestores que é mais econômico e eficiente adequar as políticas internas à legislação do que enfrentar ações trabalhistas posteriores, que podem resultar em condenações e pagamento de indenizações.

A proteção constitucional do direito à saúde

Por trás dessa discussão sobre atestados médicos, existe um princípio constitucional fundamental: o direito à saúde. A Constituição Federal garante a todos os brasileiros o acesso à saúde, e isso inclui o direito de escolher onde buscar atendimento médico.

Quando uma empresa discrimina atestados com base em sua origem, ela está, indiretamente, ferindo esse direito constitucional, forçando o empregado a buscar atendimento apenas na rede pública, mesmo tendo condições ou preferência pelo atendimento particular.

Para finalizar

A resposta à pergunta que dá título a este artigo não poderia ser outra: não, a empresa não pode recusar atestado médico particular. Essa prática é ilegal, abusiva e pode gerar sérias consequências jurídicas para o empregador.

Para os empregados que enfrentam essa situação, a orientação é buscar seus direitos e não aceitar passivamente essa discriminação. Para os empregadores, o conselho é simples: adequem suas políticas internas à legislação e evitem problemas futuros na Justiça do Trabalho.

A jurisprudência está consolidada, a legislação é clara, e o caminho para uma relação trabalhista saudável passa pelo respeito mútuo e pelo cumprimento das normas legais estabelecidas.

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