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O Supremo Tribunal Federal (STF) retoma nesta sexta-feira (28/11), o julgamento que pode definir o futuro do acesso à Justiça do Trabalho para milhões de brasileiros. Em discussão está a validade da autodeclaração de hipossuficiência econômica como prova para obtenção da justiça gratuita em processos trabalhistas.
O julgamento da Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC 80) estava suspenso desde junho de 2025, quando o ministro Gilmar Mendes pediu vista dos autos após o voto do relator, ministro Edson Fachin. A decisão da Corte terá impacto direto sobre trabalhadores que buscam seus direitos na Justiça, especialmente após a reforma trabalhista de 2017.
O que está em jogo
A ação foi ajuizada pela Confederação Nacional do Sistema Financeiro (Consif), que defende que a justiça gratuita seja concedida somente para quem comprovar renda de até 40% do limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social. Atualmente, esse valor correspone a cerca de R$ 3.262 por mês.
Na prática, a discussão no STF é se a autodeclaração de hipossuficiência econômica pode ser considerada válida na Justiça do Trabalho. O Código de Processo Civil (CPC) prevê que essa alegação é presumida verdadeira. Na visão da Consif, porém, a mera declaração não basta e o trabalhador deveria apresentar documentos comprobatórios de renda.
A Súmula 463 do Tribunal Superior do Trabalho, editada em 2017, estabelece que a mera declaração de hipossuficiência é suficiente. No final de 2024, o Pleno do TST reafirmou esse entendimento ao julgar o Tema 21 de recursos repetitivos, decidindo por 18 votos a 6 que a autodeclaração do trabalhador é prova suficiente para concessão do benefício.
O voto do relator
Em junho deste ano, o ministro Edson Fachin, relator do caso, defendeu que a alegação de insuficiência de recursos por autodeclaração é uma das formas válidas de se comprovar que alguém recebe salário igual ou inferior a 40% do teto da Previdência.
O magistrado considerou que as alterações trazidas pela reforma trabalhista são constitucionais, mas destacou que a regra do CPC também é aplicável à Justiça do Trabalho. Segundo Fachin, a reforma estabeleceu um requisito objetivo e exigiu a comprovação da insuficiência de recursos, mas não tratou da forma desta comprovação, nem tampouco vedou a autodeclaração.
O relator votou pela constitucionalidade dos parágrafos 3º e 4º do artigo 790 da CLT, com interpretação conforme à Constituição. Isso significa que a autodeclaração de hipossuficiência seria aceita como meio válido para requerer gratuidade da Justiça por pessoas físicas, salvo impugnação fundamentada pela parte contrária.
Fachin também ressaltou que a autodeclaração possui presunção relativa de veracidade, podendo ser contestada, e alertou que declarações falsas podem implicar responsabilização civil e criminal do declarante.
Mudanças com a reforma trabalhista
Antes da reforma trabalhista de 2017, o acesso à justiça gratuita na Justiça do Trabalho era facilitado. Trabalhadores com renda de até dois salários mínimos tinham direito automático ao benefício, e aqueles com renda superior poderiam obter a gratuidade mediante simples declaração de impossibilidade de arcar com as custas processuais.
A Lei 13.467/2017 alterou substancialmente esse cenário. Desde então, a CLT prevê que a justiça gratuita pode ser concedida a quem recebe salário igual ou inferior a 40% do teto da Previdência (atualmente R$ 3.262), desde que seja comprovada a insuficiência de recursos para o pagamento das custas do processo.
A reforma também criou outras barreiras ao acesso à Justiça, como a instituição de custas processuais para todos os trabalhadores, honorários advocatícios de sucumbência (o trabalhador que perde pode ter que pagar os advogados da empresa), honorários periciais e multas por litigância de má-fé.
O que defendem empregadores
A Consif e entidades patronais argumentam que a simples declaração de hipossuficiência sem comprovação documentada tem gerado abusos e aumento excessivo da judicialização trabalhista. Segundo essas entidades, trabalhadores com renda superior ao limite legal estariam obtendo o benefício da justiça gratuita de forma indevida.
Para os empregadores, a exigência de prova documental de rendimentos, em vez da simples declaração de hipossuficiência, ofereceria mais garantias contra o uso indevido dos benefícios da Justiça gratuita. Além disso, defendem que essa medida seria fundamental para reduzir os custos do Judiciário e coibir práticas abusivas.
Advogados que atuam para empregadores também argumentam que a previsão da reforma trabalhista se alinha ao inciso LXXIV do artigo 5º da Constituição, que prevê a justiça gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos, dando ênfase à palavra “comprovarem”.
O que defendem trabalhadores
Especialistas em Direito do Trabalho e entidades representativas dos trabalhadores argumentam que a exigência de comprovação documental cria uma barreira injustificada ao acesso à Justiça, especialmente para os mais vulneráveis.
Segundo advogados trabalhistas, a regra é a boa-fé, portanto, se houver má-fé, esta deve ser comprovada pela parte contrária. Se o empregador não concordar com a autodeclaração, deverá impugná-la apresentando provas em sentido contrário.
Para os defensores dos direitos trabalhistas, exigir comprovação documental penaliza especialmente trabalhadores informais, autônomos, desempregados e aqueles em situações de vulnerabilidade que podem ter dificuldade em reunir documentos comprobatórios de renda.
Além disso, argumentam que essa exigência está prevista na legislação desde a Lei 7.115/1983, sendo normal no mundo jurídico há mais de 40 anos. A tese de que a autodeclaração é suficiente já é aplicada no Processo Civil, e não haveria razão para tratamento diferente no Processo do Trabalho.
Impactos da decisão
A decisão do STF terá repercussão geral, ou seja, deverá ser obrigatoriamente seguida por todos os tribunais do país. Os impactos serão significativos dependendo do resultado.
Se o STF acolher o voto do relator Fachin e validar a autodeclaração, não haverá mudanças significativas no âmbito da Justiça do Trabalho, uma vez que o TST já adota esse entendimento. Os trabalhadores continuarão podendo obter a justiça gratuita mediante simples declaração de hipossuficiência, salvo impugnação fundamentada pela parte contrária.
Por outro lado, se o STF acolher a pretensão da Consif e decidir que a mera declaração não é suficiente, milhões de trabalhadores terão que comprovar documentalmente sua situação econômica para obter o benefício. Isso pode gerar uma redução significativa no número de ações trabalhistas, mas também pode impedir que trabalhadores em situação de vulnerabilidade busquem seus direitos na Justiça.
Quem pode ser mais afetado
Alguns grupos de trabalhadores serão especialmente impactados caso o STF exija comprovação documental:
Trabalhadores informais que não possuem contracheque ou comprovante de renda regular enfrentariam dificuldades para demonstrar sua situação econômica. Da mesma forma, trabalhadores autônomos e MEIs com rendimentos irregulares teriam problemas para comprovar a insuficiência de recursos.
Desempregados que buscam verbas rescisórias não pagas também seriam prejudicados, pois não têm renda atual para comprovar. Trabalhadores vítimas de fraude trabalhista, como os “pejotizados” que buscam reconhecimento de vínculo, enfrentariam barreiras adicionais.
Empregados domésticos, diaristas e outros trabalhadores em relações informais ou precárias também teriam dificuldades para reunir documentação adequada.
Contexto de acesso à Justiça
A discussão sobre a autodeclaração de hipossuficiência insere-se em um contexto mais amplo de dificuldades de acesso à Justiça do Trabalho após a reforma de 2017.
Dados do Conselho Nacional de Justiça mostram que houve redução no número de novos processos trabalhistas após a reforma, mas especialistas divergem sobre as causas. Enquanto alguns atribuem a queda à modernização das relações de trabalho, outros apontam que as barreiras criadas pela reforma inibiram trabalhadores de buscar seus direitos.
Pesquisa realizada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) identificou que as mudanças promovidas pela reforma trabalhista dificultaram especialmente o acesso de trabalhadores de baixa renda ao Judiciário trabalhista.
Expectativa sobre o julgamento
Até o momento, apenas o ministro Fachin havia se manifestado, votando pela validação da autodeclaração. O ministro Gilmar Mendes, que pediu vista em junho, ainda não divulgou seu posicionamento. Os demais ministros também não se manifestaram publicamente sobre o tema.
A expectativa é que o julgamento seja concluído nesta sessão, mas não há garantia. Caso algum ministro peça destaque para julgamento presencial ou novo pedido de vista, a decisão pode ser novamente adiada.
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Jornalista; Assessor de Comunicação; Atuando também na produção de conteúdos sobre o mundo trabalhista e a justiça do trabalho no Brasil para o portal Direito do Empregado.
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