Trabalhadora com autismo é indenizada por discriminação

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Uma auxiliar de logística será indenizada por dispensa discriminatória após informar à empresa que possui Transtorno do Espectro Autista (TEA). A decisão foi confirmada pela 10ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (TRT-RS), que fixou indenização por danos morais no valor de R$ 50 mil. A condenação provisória, somando outros direitos reconhecidos, chega a R$ 100 mil.

Junto ao atestado médico que confirmava o diagnóstico de TEA, ela solicitou o uso de fones de ouvido como forma de amenizar o estresse causado pelo ambiente de trabalho. O pedido foi negado sob alegação de supostas normas de segurança. Dias depois, ela foi demitida.

Na ação, as empresas alegaram que o contrato tinha duração determinada e que a dispensa se deu por falta de adaptação e redução de demanda. No entanto, para a Justiça, os argumentos não se sustentaram diante das provas apresentadas. A sentença destacou que a demissão ocorreu logo após o diagnóstico ser comunicado e a solicitação de adaptação feita, o que demonstrou que a dispensa teve cunho discriminatório.

A decisão judicial teve como base diversos dispositivos legais, entre eles:

  • A Lei 9.029/1995, que proíbe práticas discriminatórias no ambiente de trabalho;
  • A Lei 12.764/2012, que institui a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com TEA;
  • A Súmula 443 do TST, que trata da presunção de discriminação em despedidas de pessoas com doenças graves;
  • Além de princípios da Constituição Federal e convenções da Organização Internacional do Trabalho (OIT).

Ainda cabe recurso da decisão.

Pra falar sobre assunto

O portal Direito do Empregado conversou com a advogada Gabriela Schellenberg, especialista em relações de trabalho, para entender os impactos legais e sociais desse tipo de conduta.

Direito do Empregado: Do ponto de vista jurídico, quais são os principais elementos que caracterizam uma dispensa como discriminatória em casos de trabalhadores com deficiência ou condição de saúde específica, como o TEA?

Gabriela Schellenberg: A dispensa discriminatória se configura quando há indícios de que o motivo real da demissão esteja ligado a uma condição pessoal do trabalhador, como é o caso de doenças, raça, gênero, orientação sexual ou, como estamos tratando aqui, nos casos das deficiências como o Transtorno do Espectro Autista (TEA).

Importante destacar que no Brasil, a legislação garante proteção especial a pessoas com deficiência, inclusive as consideradas invisíveis, como o TEA. O artigo 1º. da Lei nº 9.029/95 proíbe práticas discriminatórias para efeitos de acesso e manutenção da relação de trabalho.
Se a demissão ocorrer logo após o empregador tomar conhecimento do diagnóstico, ou se há histórico de exclusão, isolamento ou estigmatização do trabalhador, esses elementos podem (e devem) ser usados para caracterização da dispensa como sendo discriminatória, passível de reintegração ao emprego ou indenização por danos morais.

Com o aumento de diagnósticos de autismo e outras deficiências invisíveis, é urgente que o Direito do Trabalho atue de forma incisiva para proteger esses trabalhadores.

Mais do que uma obrigação legal, trata-se de um compromisso com a dignidade humana, a equidade e o bem-estar social. A inclusão só é real quando vem acompanhada de respeito, acessibilidade e justiça.

Direito do Empregado: Empresas alegam com frequência questões como redução de demanda ou contratos por prazo determinado para justificar dispensas. Em que medida esses argumentos se sustentam juridicamente quando há indícios de preconceito ou exclusão?

Gabriela Schellenberg: Esses argumentos só se sustentam juridicamente se estiverem devidamente documentados e coerentes com o contexto da empresa. Caso haja indícios de que a justificativa formal foi usada como “pretexto” para mascarar uma conduta discriminatória, a dispensa pode ser desqualificada judicialmente.

No processo do trabalho vige o princípio da primazia da realidade, ou seja, o que vale em um processo trabalhista é o que de fato ocorreu e não apenas o que está no documento. Desta forma, se outros trabalhadores foram mantidos na empresa e se a pessoa com TEA já vinha sendo excluída ou desvalorizada, ou se a empresa demonstrou resistência à adaptação das necessidades deste trabalhador, esses fatos podem evidenciar a real motivação da demissão.

Ressalto que o empregador deve demonstrar transparência, proporcionalidade e respeito à inclusão. Caso contrário, poderá ser responsabilizado por práticas discriminatórias, com base na jurisprudência e nos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e da igualdade.

Direito do Empregado: Qual a importância de políticas internas de inclusão e protocolos claros de acessibilidade no ambiente corporativo, especialmente para pessoas com transtornos invisíveis como o TEA?
Gabriela Schellenberg: Essas políticas de inclusão e protocolos de acessibilidade não são apenas medidas de responsabilidade social, mas obrigações legais e estratégicas para a cultura organizacional. No caso de pessoas com transtornos como o TEA, é fundamental que haja compreensão, treinamento das lideranças e adaptações razoáveis e condizentes à necessidade daquele trabalhador.

A implementação dessas políticas demonstra que a empresa está comprometida com os princípios da diversidade e da igualdade de oportunidades. Digo mais, isso contribui para evitar conflitos judiciais e favorece um ambiente mais saudável, acolhedor e produtivo.

Em caso de eventual demanda trabalhista, o Judiciário irá analisar se há, de fato, um comprometimento concreto, e não apenas formal, com esses valores no dia a dia da organização.
A empresa que investe em comunicação clara, escuta ativa e estrutura justa não está apenas prevenindo processos ou conflitos, mas construindo pertencimento, fortalecendo sua reputação institucional e atraindo múltiplos talentos.

E isso tem nome: responsabilidade social e inteligência institucional. 

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